03/12/2008

riscar o que está errado

I
Quando alguém nos diz que um determinado assunto que nos mói não é assunto é porque:
a) não é da nossa conta
b) já não há pachorra

II
Quando alguém que consideramos amigo nos diz que sente mais do que amizade:
a) ficamos com pena mas afastamo-nos
b) ficamos zangados e afastamo-nos
c) aproveitamos que alguém nos queira assim

III
Quando a solidão se espalha como cinzas ao vento (original imagem, não?):
a) deixamo-nos afundar nela porque estamos cansados
b) levantamos a cabeça e procuramos solução digna
c) ficamos ressabiados e enchemo-nos de tudo o que vier à mão

IV
Quando os problemas vêm todos ao mesmo tempo:
a) escondemos a cabeça na areia e tomamos comprimidos para dormir
b) vamos ao supermercado comprar doces e um saquinho de força para não cairmos por terra
c) sobrecarregamos os amigos com eles
d) zangamo-nos com os mais próximos porque o amor é pouco

V
Quando é natal:
a) desatamos aos tiros
b) fugimos para onde o dinheiro chegar
c) fingimos que entrámos no espírito
d) cerramos os punhos e esperamos que passe

02/12/2008

âncora

Por mais que queira mentalizar-se disso, uma pessoa não é de ferro. Não mesmo. Mesmo que tenha passado a vida a sobreviver a uns embates, a outras tempestades, a alguns atentados, não, uma pessoa não é de ferro.
Quando se chega a um ponto em que uma pessoa não tem onde se apoiar para não cair, quando se é fustigado de todos os lados sem que nada se apresente como sólido para uma pessoa ancorar por uns dias, não há como não se perder na noite escura.
Às vezes podem ser os amigos, às vezes pode ser o trabalho, às vezes podem ser os filhos, às vezes pode ser a família, às vezes pode ser quem se ama. Mas quando os amigos não podem estar presentes ou quando não os queremos carregar com mais peso; quando o trabalho é uma merda que nem sequer é remunerado; quando os filhos vão para fora, ainda que alegres e contentes; quando a família está reunida num sítio onde nem pudémos ir; quando a tal pessoa também foi ver do seu próprio bem-estar, que nos resta?
Às vezes o desalento é tanto que nem temos vontade para segundas escolhas, como daquelas vezes em que, para fugir à solidão, nos agarramos a quem nos quer, mais do que a quem nós queremos.
Depois essas pessoas sem âncora ficam assim tolhidas, presas no frio que vem de dentro e que os cobertores não afugentam, sem terra firme onde lançar ferro, numa solidão e num silêncio que são tanto mais pesados quanto não são desejados.
E a infelicidade é uma coisa fodida de se ultrapassar.