03/12/2008

riscar o que está errado

I
Quando alguém nos diz que um determinado assunto que nos mói não é assunto é porque:
a) não é da nossa conta
b) já não há pachorra

II
Quando alguém que consideramos amigo nos diz que sente mais do que amizade:
a) ficamos com pena mas afastamo-nos
b) ficamos zangados e afastamo-nos
c) aproveitamos que alguém nos queira assim

III
Quando a solidão se espalha como cinzas ao vento (original imagem, não?):
a) deixamo-nos afundar nela porque estamos cansados
b) levantamos a cabeça e procuramos solução digna
c) ficamos ressabiados e enchemo-nos de tudo o que vier à mão

IV
Quando os problemas vêm todos ao mesmo tempo:
a) escondemos a cabeça na areia e tomamos comprimidos para dormir
b) vamos ao supermercado comprar doces e um saquinho de força para não cairmos por terra
c) sobrecarregamos os amigos com eles
d) zangamo-nos com os mais próximos porque o amor é pouco

V
Quando é natal:
a) desatamos aos tiros
b) fugimos para onde o dinheiro chegar
c) fingimos que entrámos no espírito
d) cerramos os punhos e esperamos que passe

02/12/2008

âncora

Por mais que queira mentalizar-se disso, uma pessoa não é de ferro. Não mesmo. Mesmo que tenha passado a vida a sobreviver a uns embates, a outras tempestades, a alguns atentados, não, uma pessoa não é de ferro.
Quando se chega a um ponto em que uma pessoa não tem onde se apoiar para não cair, quando se é fustigado de todos os lados sem que nada se apresente como sólido para uma pessoa ancorar por uns dias, não há como não se perder na noite escura.
Às vezes podem ser os amigos, às vezes pode ser o trabalho, às vezes podem ser os filhos, às vezes pode ser a família, às vezes pode ser quem se ama. Mas quando os amigos não podem estar presentes ou quando não os queremos carregar com mais peso; quando o trabalho é uma merda que nem sequer é remunerado; quando os filhos vão para fora, ainda que alegres e contentes; quando a família está reunida num sítio onde nem pudémos ir; quando a tal pessoa também foi ver do seu próprio bem-estar, que nos resta?
Às vezes o desalento é tanto que nem temos vontade para segundas escolhas, como daquelas vezes em que, para fugir à solidão, nos agarramos a quem nos quer, mais do que a quem nós queremos.
Depois essas pessoas sem âncora ficam assim tolhidas, presas no frio que vem de dentro e que os cobertores não afugentam, sem terra firme onde lançar ferro, numa solidão e num silêncio que são tanto mais pesados quanto não são desejados.
E a infelicidade é uma coisa fodida de se ultrapassar.

28/11/2008

será que ainda cá estamos no fim do verão?

N'O Bairro do Amor o Jorge Palma diz que há quem pergunte, a sorrir: "Será que ainda cá estamos no fim do verão?"

É a finitude de todas as coisas. Que não nos deixa sossegar. Como se não nos bastasse a finitude maior, a da própria vida, mesmo que desta não façamos grande coisa.

Há finais pelos quais ansiamos, o final da semana, o final do mês, o final das reuniões aborrecidas, o final do dia. Se essa ânsia é o nosso crime, o nosso castigo é a finitude do resto, do verão, do amor, da infância, das vidas dos que amamos. E quando damos por nós já não fazemos planos a longo prazo porque não sabemos se cá estaremos no fim do verão.

27/11/2008

ebenezer scrooge

Ainda sugeri à minha filha "E se não fizéssemos árvore de natal este ano?". Mas ao mesmo tempo que me respondia que nem pensasse nisso, apercebia-me de como estava a ser egoísta.
O natal deprime-me. A música de fundo nos centros comerciais irrita-me. Os pais natal pendurados nas janelas desde outubro exasperam-me. As compras de natal são um stress. Mas isso é agora, já gostei, assim como a minha filha gosta.
Tenho de fazer árvore de natal, não me escapo dessa. Aliás, tenho de fazer duas, a dos meus pais também, também desta não me escapo. Mas a minha desmancho-a assim que posso, como o ano passado, em que a desmanchei no próprio dia de natal, antes de me deitar.
Antes era bom. Iamos todos para casa dos meus avós, comíamos, ríamos, falávamos pelos cotovelos. Depois tornou-se impessoal. Famílias que não são as nossas, filhos que saltitam entre a casa da mãe e a casa do pai, falta de paciência e olhares furtivos para o relógio a ver se ainda falta muito para tudo acabar.
Hoje comprei os meus primeiros três presentes, todos eles para gente de quem gosto muito, valha-me isso, mas dispensava os sininhos e os barretes de natal.
Só o amor à minha filha e aos meus pais me podiam fazer passar por isto com um sorriso, ainda que mal arranjado, nos lábios.

26/11/2008

"o" presente

Depois logo digo o que raio acho do natal e o que sinto nesta altura. Por agora, porque já há quem vá perguntando "O que é que gostavas de receber?" ou "O que é que te dava jeito?", só vou falar disso. Há uma coisa que eu gostava de receber, sim. Embrulhada num papel lindo de morrer, com um laço dos fantásticos, entregue como pedra preciosa num saco absolutamente glamoroso.
Uma vez a minha mãe comprou-me uma, mas não era bem isso. De características quase só o nome. Já comprei duas ou três para a minha filha, mas nenhuma a ponto de encher medidas. Já vi umas quantas na net, à venda, o dinheiro ainda nunca chegou para tal luxo.
O pior é esta coisa de eu ser assim complicadinha. E este presente, esta coisa que tanto gostava de receber de quem me fosse muito, muito caro, tem de ser adivinhado, escolhido a dedo, não pode ser a pedido, de maneira nenhuma, não senhores, há que mostrar empenho, pois então.

puzzle póstumo

Quando eu era miuda, os meus pais diziam que eu era bicho do mato. Não era, na verdade, apenas era já muito selectiva na escolha dos meus amigos e fazia questão de diferenciar os amigos dos conhecidos. Como ainda hoje faço. Conhecidos tenho muitos, amigos, chegam os dedos de uma mão para os contar, e ainda sobram. Sou exigente na amizade, como sou no amor. Estes sentimentos não são coisa que se desperdice em qualquer um. E sou tão inflexível quanto às falhas como sou fiel aos que não me falham.

Todavia, mesmo com esses amigos incondicionais, os que já deram todas as provas, aqueles a quem já provei tudo, reservo-me. Imagino-os, por vezes, sentados juntos à mesa, no dia do meu funeral, a falarem de mim. Juntos conseguirão fazer o puzzle, e sei que só então verão a imagem completa. Culpa minha, que não deixo ninguém conhecer-me. Mesmo assim amam-me. E deixam-me amá-los. E essa será sempre a gaveta mais preciosa do meu cofre.

25/11/2008

escolhas

A Mariana tem 11 anos e é a minha filha
Já falei dela. É uma miúda desenrascada, nada materialista, muito responsável e com ideias formadas. Às vezes acho que demasiado vincadas para a sua idade. Defende e argumenta correctamente aquilo em que acredita ou não.
Ontem ao jantar contava-me o seu dia de aulas. Parece que por alguma razão entrou numa conversa filosófica com a sua professora de português, já que, baseado num livro, o autor falava na divisão das almas, umas para o céu outras para o inferno. E aquilo lá entrou em conflito com as suas ideias e, como uma pequena guerreira lá disse à professora que não acreditava em almas, nem que quando se morre se vai para o céu ou para o inferno, lá disse, que na terra é que tudo se resolvia.
A professora lá foi conversando com ela com manifesto interesse (pelo que a minha filha me ia dando a perceber).
Para rematar a conversa, a Mariana, percebendo que não adiantava prolongar a conversa, finaliza dizendo: como é que eu posso acreditar que há almas boas e más ou que vamos para o céu ou para o inferno quando morremos se eu não acredito em Deus? Acredito que houve um homem chamado Jesus, mas um Deus lá em cima, não.
Portanto, 24 miúdos gritaram "oh! Não acreditas em Deus?"
E a professora apenas acrescentou: "nem todos acreditamos em Deus e como devem saber, na escola, muitos alunos não são crentes. Eu apenas não sabia que tinha nas minhas turmas um desses alunos..."
O facto de se revelar com outra maneira de ver as coisas e com opiniões diferentes, não perturbou nada a Mariana. Eu apenas lhe sorri, ciente de que essa era uma escolha sua, sem que eu lha tivesse algum dia incutido. Pisquei-lhe o olho e perguntei: "não aproveitaste para dizer que aos 3 anos já não acreditavas no Pai Natal, não?"
E ela riu, senhora de si.

1. have you ever really loved a woman?

Sim, eu sei que toda a gente conhece isto. Mas conhece como? Quem é que já se deu ao trabalho de ouvir-ouvir o que o homem diz? Ele há gajos que a sabem toda...


HAVE YOU EVER REALLY LOVED A WOMAN ? (Bryan Adams)

To really love a woman
To understand her
You gotta know her deep inside
Hear every thought
See every dream
And give her wings when she wants to fly

And when you find yourself
Lying helpless in her arms
You know you really love a woman

When you love a woman
You tell her that she's really wanted
When you love a woman
You tell her that she's the one
She needs somebody
To tell her that it's gonna last forever
So tell me have you ever really
Really really ever loved a woman

To really love a woman
Let her hold you
Do you know how she needs to be touched ?
You gotta breath her
Really taste her
To you can feel her in your blood
Then when you can see your unborn children in her eyes
You know you really love a woman

When you love a woman
You tell her that she's really wanted
When you love a woman
You tell her that she's the one
She needs somebody
To tell her that you'll always be together
So tell me have you ever really
Really really ever loved a woman

You got to give her some faith
Hold her tight
A little tenderness
You gotta treat her right
She'll be there for you
Taking good care of you
You really gotta love your woman

And when you find yourself
Lying helpless in her arms
You know you really love a woman

When you love a woman
You tell her that she's really wanted
When you love a woman
You tell her that she's the one
She needs somebody
To tell her that it's gonna last forever
So tell me have you ever really
Really really ever loved a woman
Just tell me have you ever really
Really really ever loved a woman
Just tell me have you ever really
Really really ever loved a woman.

2. have you ever really loved a woman?

sem retorno

Há este filme de 1997 com o Sean Penn, que é daqueles que a gente vê uma vez e do qual se lembra uma data de vezes durante a vida. Porque está muito bem feito, porque é a clara imagem daquilo que é o resultado dos passos que damos, das opções que fazemos, do que dizemos ou do que calamos. O filme chama-se Sem Retorno e é assim que muitas vezes nos encontramos.
Toda a gente sabe que depois de se dizerem certas coisas, por mais que tentemos refrasear, por mais que peçamos desculpas, não há volta a dar. Isto passa-se com coisas que dizemos, mas também com coisas que fazemos e até com coisas que pensamos. É ou não difícil tomarmos mentalmente uma decisão e depois voltar atrás, mesmo que não tenhamos dado conta dela a ninguém?
Vejamos um exemplo: Há estas duas pessoas, um homem e uma mulher que em determinado ponto se apaixonaram. Sendo duas entidades diferentes, necessariamente sentem e agem de formas distintas. Imaginemos que ela, a mulher, que elas são mais dadas a estas coisas, está disposta a entregar-se de alma e coração. Que põe de lado a lista de resoluções que a vida e a idade lhe redigiram, que aposta, que acredita. Imaginemos que ele, o homem, nem por isso. Que se mantém a uma distância prudente, colando no sítio mais visível da porta do frigorífico a lista de decisões que a sua vida e a sua idade também lhe redigiram. Ela, a mulher, ainda esperneia um bocadinho, ainda regateia, ainda pede, mas ele, o homem, mantém-se inflexível. Por defesa, que todos os animais, mesmo as mulheres, apuram o seu sentido de sobrevivência, a mulher começa também a retraír-se, o mesmo é dizer, deixa de lhe apetecer dar tanto, fazer cedências, apostar e começa mesmo a pôr em causa aquilo em que acreditou. Neste processo, inevitavelmente, a paixão esfria por ser constantemente aspergida com razões, as tais que, dizem, o coração desconhece.
Então, sem saber como, ela, a mulher, vendo que recebe tão pouco daquilo que esperava, puxa o véu, ou a concha, ou a janela, ou qualquer outro lirismo barato que a impeça de dar mais do que recebe e assim se protege, se defende, afastando-se.
O que é que isto tem a ver com o filme? O nome, evidentemente.

24/11/2008

truz truz

Enquanto desespero porque o meu pc lá de casa nunca mais fica como deve ser, e vou fazendo bricolage e tricot (ao que o desvario nos leva), abro a minha caixa do correio e dou com um envelope inusitado. Um convite para participar num blogue alheio. Fui ver o que raio era aquilo. Li, reli, virei do avesso, mas não há meio de saber quem raio me convidou. Bem, não exactamente a mim, mas ao meu alter ego. Pelo sim, pelo não, aceitei, e mesmo sem saber regras nem contextos, já comecei a escrever e a publicar, que isto de juntar palavras sempre é melhor do que somar malhas e fiadas ao cachecol.

20/11/2008

saudades

Tenho saudades da minha avó. Do seu cheiro a lareira. Do seu amor. De a ver tentar ordenar a confusão que era a sua casa quando lá estávamos todos. Da sensação de felicidade e segurança que era estar com ela. De a ver levantar-se a custo da cadeira. De me chamar filha. Do trejeito que fazia aos lábios quando ria. De chegar à rua, na aldeia, e de a ver encostada à ombreira da porta à nossa espera. Da sua insistência para pormos mais um cobertor na cama. De a ouvir dizer que tivesse mais calma com o meu pai. De a ver envergonhada quando o meu avô lhe fazia um carinho. Tenho saudades da casa quando ela estava. De estarmos todos à sua volta. De sermos um todo, com tanta segurança que nem pensávamos nela.
Tenho saudades de a ver curvada a cuidar das malvas e das roseiras. De a ver dobrar as notas muito bem dobradinhas para as arrumar no porta-moedas. De a ver pôr na mesa tudo o que tinha para comermos, chegados da viagem. De a ter em minha casa, radiante e radiosa. De lhe ajeitar o lenço que usava na cabeça e de lhe fazer uma festa na cara.
Tenho saudades de quem eu era com ela. Da âncora que foi em sua casa e na nossa família. Do amor que votava a todos nós.
(Aqui está a minha avó, rodeada pelas netas e bisnetas, falta o resto, imenso.)
Tenho saudades.

a crise

A minha filha já assinalou no catálogo do continente os presentes que gostaria de receber. Com simbologias diferentes, conforme o grau de desejo de ter determinado brinquedo. A cada um perguntava "Achas que posso marcar este, mãe? Não é muito caro?"
Entretanto, ao meu pai ela dizia: "Este ano está difícil para os presentes, não me importo se não receber o que mais gosto. Eu sei que as pessoas estão com pouco dinheiro, a mãe já me disse que paga cada vez mais pela casa e também há muita gente que está a ficar sem trabalho. Sei que não podemos ficar sem casa nem sem comida, por isso se a mãe não me puder comprar o que eu gostava e vocês também não, não faz mal." E depois acrescentou, a pita de 8 anos: "Ainda se este primeiro ministro se fosse embora..."
Para mim, o presente de natal já está dado, a compreensão e atenção da minha filha. Para mim, também não é preciso mais nada.

19/11/2008

assunto do dia

A Drª Manuela Ferreira Leite não é parva nem anda nisto há meia dúzia de dias. Sabe o que diz e como o diz. Se se atreve a utilizar a ironia, deve certificar-se de que a usa de forma a que chegue clara a todos os receptores. Ou então arrisca-se a que a levem a sério quando diz que devíamos arrumar a democracia durante seis meses para pôr em prática o "quero, posso e mando". Pode até ter usado de ironia. Mas a verdade sujacente à coisa é a de que, se pudesse, era isso mesmo o que faria.

18/11/2008

curiosidade

Ela anda doida para saber o que eu ando a fazer (a minha amiga Nat). Mas eu não lhe digo.
Ela reclamou um post, mesmo pequenino.
Aqui está ele.
Vai valer a pena a minha ausência, sua curiosa!

aquilo sem nome

Estou pertinho de chegar à triste conclusão de que gosto mais de ter um gato do que gosto do gato em si mesmo.
Quer dizer, acho piada a vê-lo brincar, gosto quando se vem sentar no meu colo, que se enrole nas minhas pernas, que chame pela minha filha quando ela não está.
Mas não sei... não sinto aquela coisa. Aquilo. A que a gente nem dá nome porque está para lá disso. Aquilo que também se pode sentir pelos animais, eu sei, porque já senti. Mas pelo Hugo não. Ou ainda não.

do frio

Há, com certeza, quem me diga que me podia ter dado para coisa pior. A minha mãe, por seu lado, diria que finalmente estou a ficar uma mulherzinha.
A verdade é que absolutamente desesperada por não dar a volta às exigências do sistema operativo do meu pc, frustrada por esgotar tentativas de instalação do maldito periférico, deu-me para isto.
Daqui há-de sair um cachecol daqueles que dá voltas e voltas ao pescoço, uma coisa a lembrar aquelas colchas que a minha avó fazia para as netas, enormes, umas atrás de outras, colchas e cachecóis servindo, afinal, mais para enganar o tempo do que o frio, mais para enganar angústias do que o inverno.

17/11/2008

beauvoir

"Atroz contradição a da cólera; nasce do amor e mata o amor."

verde

"Eu teria até ciúmes do vento ao acariciar a tua pele." E uma mulher, mesmo que não queira estes ciúmes para nada, guarda a frase para reler quando outra indiferença a toca. Vá-se lá entender as mulheres. Não querem ser controladas, querem ser respeitadas e querem também que sintam uma picada por ela.

Eu própria, que sou gaja, mal as entendo, quanto mais os desgraçados dos homens.

16/11/2008

são dois braços

"São dois braços, são dois braços, servem pra dar um abraço; assim como quatro braços servem pra dar dois abraços". A canção do Sérgio bem o diz, mas às vezes a gente esquece-se que os braços servem para isso. E lembra-se de outros préstimos. Cruzamo-los em atitude de defesa ou de distância. Deixamo-los cair como se não tivéssemos força. Utilizamo-los para empurrar para longe o que não queremos ver. Às vezes também os damos a torcer, mesmo que achemos que não devíamos, só para a tempestade amainar. Outras vezes usamo-los apenas para escondermos a cara. Outras ainda para dar força aos murros na almofada.
Às vezes esquecemo-nos de os usar para aconchegar um gato ou um filho. Às vezes esquecemo-nos dos abraços que já démos, dos que já recebemos e de como nos sentimos em casa.
Um destes dias recusei um abraço a um amigo. Ele precisava e eu recusei-lho, apenas porque uma vez, há algum tempo, um abraço que lhe dei foi mal entendido. Mas um abraço não se recusa. É para isso que servem os braços.

14/11/2008

rosa chá

Há tempos ofereceram-me uma caneca. Toda giraça. Com uma quadra do Fernando Pessoa impressa. A caneca onde bebo o meu chá de velha solitária, daquelas que têm gatos por companhia, daquelas rezingonas, que ninguém atura. A não ser os gatos.
Eu tenho esta mania chata de ver significados nas coisas todas. Sei lá, tenho a mania que não se dá ponto sem nó. Hoje, a olhar de esguelha para a caneca, percebi, poderia dizer que se fez luz, mas na verdade ficou foi tudo ainda mais escuro.
O Fernando Pessoa escreveu e a mim ofereceram-me. A mim.

O moinho de café
mói grãos e faz deles pó
o pó que a minha alma é
moeu quem me deixa só

13/11/2008

solidão

Já repararam? Se virmos alguém, na rua, sozinho, a rir, olhamos de lado como se essa pessoa estivesse louca. E se virmos alguém a chorar, na rua, sozinho, desviamos o olhar em vez de tentar um consolo. Fugimos com os olhos porque temos medo. De saber porque chora. De nos envolvermos. De nos lembrarmos do que somos. Ninguém estende a mão a ninguém. Ao nosso lado estão a chorar, mesmo com os óculos escuros que o tentam disfarçar, e ninguém diz a quem chora "Vai passar."
(Um dia, numa esplanada perto da praia, num dia de outono com sol, uma velha sentou-se na mesa a meu lado, despiu-se da cintura para cima, as mamas velhas, peles descaídas -talvez uma dessas velhas que envelhecem sozinhas com os seus gatos- e ficou ali, descontraidamente a apanhar sol. Os homens que passavam, riam. Algumas mulheres olhavam-na de fugida, incomodadas. Ela, a velha, não se mexia, de frente para o sol, alheia aos outros. Assim ficou até que o empregado de mesa lhe disse que não podia estar ali, assim.)
Os outros são sempre um espelho de nós.

luto

Tenho andado a pensar muito no que me disse a minha psicóloga. Acerca dos lutos. De termos que os fazer.
E dei por mim a pensar nas relações emocionais, que de melhor termo não me lembro. De todas saí por escolha minha. De nenhuma saí ainda a gostar do homem com quem estava. Quando o gosto começava a esmorecer, eu ia ficando, sempre na esperança de que voltasse, de que a desilusão desse lugar a novo alento. Quando isso não acontecia, a relação morria. E eu fazia o luto, sim, mas lá, em vida, ainda que moribunda, da relação. Depois, fazia como o Hugo, o meu gato, e enterrava os mortos debaixo de uma camada de areia.
O que eu não sabia era que em dias de vendaval, como o de hoje, o de ontem e provavelmente dos dias que se avizinham, a areia seria desviada e os esqueletos sairiam do armário, ou melhor, da sua precária sepultura. O que eu não sabia era que eles se misturariam com os vivos, que viriam esgrimir argumentos, fazer comparações do tipo "eu magoei mais do que tu!", "não, eu é que magoei mais". O que eu não sabia era que estes esqueletos seriam a amostra dos meus dias vindouros. O que eu não sabia era que era a mim que devia cobrir de areia, deixar de respirar, deixar de sentir, deixar de pensar.

ar fresco

Às vezes, quando já estamos fartas de escrever no caderninho das coisas boas apenas a frase "não fui atropelada", num dia em que pensamos que estamos na rua com o mesmo jeito altivo, a mesma cara simpática, a mesma afabilidade no trato com os outros, alguém vê mais além. Como este meu amigo. Que me disse que posso sempre contar com ele. Que me lembrou que a qualquer hora do dia ou da noite o posso chamar. Que me deu dois beijos carinhosos na testa, me fez uma festinha na cara, me apoiou a nuca e me disse que ficava triste por me ver de olhos molhados. No dia em que pensamos que ninguém dá por nada, que ninguém pode notar que o nosso mundo se desmorona aos poucos, mas violentamente. Nesse dia pode haver uma lufada de ar fresco. E nesse dia, não podemos, sob pretexto nenhum, nunca mais, de forma nenhuma, lamentar que esse ar fresco não venha de outro lado. É aceitar as coisas como são, o que devemos fazer. Deixar que as coisas se complementem, quando o que queríamos completo não o é. É sorrir, mesmo que os músculos não queiram obedecer, levantar ainda mais o queixo e bater ainda com mais força com os tacões no chão, ao caminhar. E caminhar sempre, mesmo que doa, mesmo que tudo sangre, não importa, isso não diz respeito a ninguém.
A não ser aos amigos que nos dão um beijo na testa porque se entristecem com a nossa tristeza.

a corda esticada

Ela ia falando comigo. Que estava frustrada. E infeliz. E zangada. E ia expondo-me as suas razões. As suas expectativas goradas. Os sonhos arrasados. O caminho para onde se sentia empurrada sem que o quisesse seguir. Ia-me dando exemplos enquanto engolia as lágrimas que o orgulho se esforçava por esconder. Ia alternando entre a voz baixa e grave e a tremida, contida.
Horas depois, eu estava com medo deste cocktail explosivo que é uma mulher frustrada, infeliz e zangada. Nunca é bom prenúncio e temo por ela.

12/11/2008

byron

"Na vida do homem, o amor é uma coisa à parte, na da mulher, é toda a vida."

diferentes perspectivas

A propósito de uma qualquer discussão entre ausência e omnipresença, e tendo presente que o espaço entre estes dois opostos é vastíssimo, tendendo a desequilibrar sempre que se aproxima de um dos extremos, ocorreu-me um episódio que se conta na aldeia dos meus pais.
Na escola, a professora encontrou piolhos na cabeça de um dos alunos mais velhos. Disse-lhe: "Tu estás cheio de piolhos, tens que dizer à tua mãe para tratar disso." A mãe, depois de ouvir o recado, foi à escola e disse à professora: "Já tratei do assunto, senhora professora. Não foi difícil, piolhos era só um por acaso." Ao que a professora respondeu: "Nesse caso, expliquei-me mal, o seu filho está é cheio de por-acasos."
Moral da história: Cada um vê as excepções à regra dentro da medida do que lhe torna a realidade menos frustrante.

Luna

Dizia o poeta que um sonho morre sempre às mãos de outro sonho. Eu acredito. Dizia a minha psicóloga que não podemos seguir em frente sem fazer o luto do que deixámos para trás. Também já acredito.
Para muitos isto poderá não ter nada a ver com o que se segue, mas para mim, dadas as reviravoltas cognitivas de que sou capaz, tem.
Enquanto morava com os meus pais, tivémos um cão, o Paquito. Viveu 16 anos e apaixonou-nos a todos, lá em casa. Era um cão fantástico, meigo e esperto, brincalhão até aos últimos dias, mesmo quando as cataratas já não o deixavam ver o quintal. Não lhe acompanhei o declínio tanto como os meus pais, porque entretanto já tinha saído de casa, mas a sua morte nem por isso me deixou menos triste.
Agora o meu pai, de regresso do alentejo, trouxe mais um, aliás, é uma menina, uma cadela, preta como asas de corvo, bebé, monte de carne indefeso. Chamámos-lhe Luna, depois de conferência familiar, que a cadelita há-de ser, não só deles, mas da minha filha e minha também.
Provavelmente a minha mãe não tinha ainda acabado o luto pelo Paquito, afinal, há apenas dois anos que morreu. Ou então, tem medo de outra desilusão, de outra perda, como a podemos culpar?, e só depois de muita insistência aceitou pegar na Luna e fazer-lhe festas.
Não há amor como o primeiro, dizem, mas há de certeza amor depois do primeiro, mesmo aplicado a um animal de que cuidamos.
Não sei se vejo na Luna uma espécie de prolongamento do Paquito, que também trouxémos do alentejo ainda bebé, a verdade é que a cadelita me emocionou mais do que o Hugo, o meu gato. Chegada a casa, algum sentimento de culpa por achar que não gosto assim tanto dele, mimei-o, brincámos, dei-lhe os petiscos de que mais gosta. O Paquito é o Paquito, há-de ser sempre, nenhum outro animal ocupará o seu lugar, mas isso não pode impedir que os nossos afectos de estendam a outros.
Afinal, o nosso amor pelos animais não será tão diferente assim do nosso amor por algumas pessoas.

computadores

A minha companheira de blog e de vida anda desesperada.
Avariou-se algo na sua existência que a tem feito andar numa roda viva. Não, não foi nenhum neurónio, porque esses, enfim... já andam avariados há algum tempo. Os seus computadores deram o peido mestre. E é vê-la escadas acima, escadas abaixo como uma barata tonta. Desventrou o computador do trabalho, acreditando num milagre, mexendo nos fios, reiniciando-o vezes sem conta. Isso teve apenas um benefício: o arquivo dos papéis, que vai adiando de dia para dia, encontra-se organizado ao pintelho. E desespera com a hipótese de ter perdido tudo o que tem guardado. Pois é, refazer coisas de 2005 é estopada. E perder os records dos jogos que tem conseguido?
Espero que hoje a coisa esteja resolvida. Caso contrário lá vai ela galopar pelas escadas... feita égua maluca. Hehe...



amores

Amo três mulheres que existem na minha vida. Por elas nutro amores diferentes.
Tenho passado dias difíceis e nos momentos de maior tristeza, tento pensar no que existe de positivo na minha vida. E é a elas que me agarro quando sinto necessidade de me levantar do sofá que ultimamente deve estranhar a minha presença porque raramente me deito nele.
A minha amiga Natércia, incansável, sempre presente, mesmo no silêncio. Sem me pressionar, sempre com um sorriso disponível mesmo quando eu sei que não lhe apetece sorrir. Sempre ao meu lado.
A minha filha Mariana. Realista e nada agarrada a coisas materiais, sempre amenizando os dias maus, com a esperança que lhe brilha nos olhos. Sempre compreensiva.
E a minha mãe, que eu pensava distante. Reencontrei-a nestes dias. Lendo-me nas entrelinhas e no silêncio. Estendendo-me a mão com a força que sempre lhe invejei e não me deixando cair.
Amores muito diferentes. Amores que me são imprescindíveis, que me alentam e me fazem acreditar na luz ao fundo do túnel.

11/11/2008

para lá do nobel

José, assim se chama o homem, autor de tão certeiras palavras, tem mais nomes, ainda que sejam só apelido, mas melhor será chamá-lo só por este, que foi com certeza o nome por que primeiro o chamou a sua mãe, se não quando ainda no ventre, que os tempos não eram de lirismos que permitissem chamar tal fruto pelo nome antes de o ter seguro na mão, melhor dizendo, no regaço, e se não quando pela primeira vez lhe saciou sede e fome, e, há quem o diga, também medo e solidão, pelo menos tê-lo-á assim chamado mais tarde, mas não muito, que criança sem nome é mais ímpia do que criança que não viu vertida pelo padre a santa e benta água sobre a sua tenra cabeça.
José, então, dizíamos, acertou nas palavras que sabiamente pôs na boca da rainha, a de áustria, assim, em minúsculas, quando as arrumou segundo a ordem que se segue: "E eu aqui, entalada entre hoje e o futuro.", e ordenando-as assim, fez com que a meio de um rio, o mesmo onde salomão, o paquiderme, se banhou mas cuja água não bebeu, uma mulher, quase tágide, musa camoniana, gosta ela de pensar em certos dias de menor luminosidade, pensasse que mais uma vez, na história da arte do país onde lhe calhara nascer, alguém, ao escrever, desta vez o tal José, mas já antes um Jorge e outra vez um Luís, buscara, sem o cuidar, no profundo fundo, e aqui perdoar-nos-ão a possível redundância, do seu subconsciente, a imagem, para não dizer o conceito, que seria talvez demais para tão fraca mulher, dela, agora escrevinhando como o Fernando quando tinha febre, ainda que sem o mesmo mister, empurrada para a frente pelas nove palavras, uma vírgula e um ponto final, na ordem por que o tal José as arrumou.

07/11/2008

shakespeare

"O verdadeiro nome do amor é cativeiro."

cais das colunas

Quando arranjei trabalho do lado norte do rio, não sabia que seria tão diferente. Mas foi. E para mitigar a saudade do lado sul, à hora do almoço descia à baixa, comprava qualquer coisa para comer e ia piquenequear para junto do rio, no cais das colunas.
Uns anos depois, já eu me ía habituando à frieza e à distância, as colunas desapareceram. O cais ficou mais frio, o rio mais desamparado.
Há umas semanas, as colunas voltaram. Mas o rio também se ressentiu com a ausência. Ou pelo menos é o que me parece.

teorias

Ainda não percebi se os homens preferem tentar a sorte com as mulheres que usam aliança ou com as que não usam.
E não me digam que é irrelevante, porque se o fosse, eles não fariam referência ao facto de uma mulher a usar ou não para justificar as atabalhoadas abordagens que nem valem aqui o relato.
Decididamente devo estar sintonizada para compreender só coisas complexas, porque entender estes simplórios é coisa para que sou imprestável.

06/11/2008

o engano

A coirona aqui do lado hoje pregou uma partida a um dos nossos colegas. Daquelas que surgem sem serem planeadas, apenas porque ele se pôs a jeito. Ela só pretendeu, com o telefonema, saber se ele estava muito atrasado. Mas ele, não reconhecendo o número e fazendo-se dengoso para a voz feminina que do outro lado o interpelava, acabou por cair que nem um patinho na declaração de interesse que do outro lado esta minha amiga lhe sussurrava, fazendo-se mesmo passar por viúvo. Minutos depois, aí ia ele, de saída para o lugar marcado para o blind date, descartando a habitual colega de café.
O pior viria depois. Tanto entusiasmo estendeu-se a mais 5 homens, cada um chegando-se à vez, cada um mais interessado na mulher que se descreveu de baixa estatura, com madeixas castanhas e muito tímida. De repente, todos eles interessadíssimos, algo duvidosos, mas sem se lembrarem sequer de confrontar o número da chamada recebida com a lista dos números da empresa.
O ego. A vaidade. Tão vaidosos. De repente só vêm uma fulana interessada num deles e o sangue aflui lá para onde não se pensa.
Que merecem senão que alimentemos o engano?

05/11/2008

nadas

1. Sempre foi eleito, se não outra coisa, o mal menor.
2. Hoje é o primeiro aniversário que a minha amiga Graça não passa com vida. Tenho sentido a sua falta.
3. Ontem não consegui deixar de fumar 5 cigarros do meu maço de 20.
4. Este mês tenho de escolher entre ir ao médico ou levar o meu gato ao veterinário. Ganha ele, ainda que ontem o tenha posto 2 vezes de castigo na varanda.
5. Ainda não estreei o meu registo n' A Inutilidade do Sofrimento.
6. Preciso de perder um quilo para voltar a caber dentro das calças.
7. Cheguei a horas ao escritório e ninguém testemunhou o feito.
8. Tenho vontade de ir agora, já, comprar o novo do Saramago.
9. O meu patrão gastou tanto nas palas para o seu carro quanto eu paguei de mensalidade na escola da minha filha.
10. Hoje apetecia-me passear nas ruas de Berlim.

04/11/2008

messias

Faz hoje 4 anos, no nosso outro blog, eu lembrava, com a ajuda do Miguel Carvalho da Visão, o poema pouco original do medo do O'Neil. Era a reeleição de W. Bush e nada de bom se adivinhava.
Hoje é outra vez dia de eleições nos Estados Unidos. As sondagens apontam a medo a vitória de um suposto Messias. Mas eu, que tal como já não acredito em príncipes encantados, também não acredito em messias, não respiro muito à vontade.
É uma escolha de mal menor; é preferível que seja ele e não o outro, e oxalá, como tantas outras vezes espero, me engane e o homem seja mesmo capaz de tudo o que diz ser. Pelo menos.

03/11/2008

a inutilidade do sofrimento

Vou arranjar mais um caderno, a conselho da Drª Maria Jesus Álava Reyes, para manter o registo do "sofrimento". Assim:
* Dia e hora
* Situação
* Respostas Fisiológicas
* Respostas Cognitivas
Pelo menos, é assim que ela manda fazer. Por isso eu faço. Faço tudo. Já estou por tudo. Já vale tudo, tal o cansaço.

02/11/2008

volta, vasco

Nacionalização do BPN? Nacionalização? Chamada assim, sem medos? Isto irá, meus amigos? Isto irá?

prenda

Este Natal vai ser apenas mais um dia. Como devia ter sido sempre. No entanto, desde criança que cresci envolta na magia do Natal, quis transmiti-la à minha filha, mas (ainda bem) cedo deixou de acreditar no Pai Natal e nunca foi materialista. Já lhe disse que não vai haver prendas porque o dinheiro escasseia. Não faz mal, dás-me prendas quando houver dinheiro.
Por isso estou a preparar apenas uma prenda e que não se destina a ela mas à minha irmã de alma, dos bons e maus momentos. Aposto que vai ter mais valor do que qualquer bugiganga que lhe pudesse oferecer. E aposto que ela vai adorar. E vou oferecê-la não com um laço, mas com um beijo. E um abraço.

da noite

A noite para mim é apenas o momento em que consigo estar comigo própria. Penso em tudo. Nos dias que passaram, nas noites longas, na tranquilidade que já devia merecer. E penso em escrever. Penso nos dias de amanhã. Não tenho saudades das noites em bares com alguns supostos amigos, em que nos encharcávamos em bebida e conversas sem sentido. No dia seguinte, já nada tinhamos para dizer uns aos outros. Os outros não interessavam, só no momento.
As minhas noites já foram de paixão, de amor, de insónias, de embalos, de choro, de solidão. Já as experimentei de todas as formas. E continuo a receá-las, tal como em criança, quando o escuro se instalava e eu procurava uma luz para afastar o medo. A minha mãe costumava deixar-me a luz do corredor acesa para amenizar as horas que esperavam o dia. Hoje, não está aqui para ma deixar acesa e agora mulher, não lhe consigo dizer que continuo a ter medo do escuro, porque é nessas horas que tudo nos vem à cabeça. Por isso tomo um comprimido, como se substituisse a sua mão nos meus cabelos, dizendo-me que tudo vai correr bem, que o papão não vem, até porque não existe. Hoje os meus papões têm outra forma. Visitam-me na noite, obrigando-me a não fechar os olhos porque sei que a claridade trar-me-á mais um dia difícil.
Escrevo na noite, em silêncio, dedilhando no computador como se isso me aliviasse. E penso que a minha vida daria um romance ou thriller. Tinha argumento suficiente para fazer um filme. O tal livro que gostava de escrever mas que não consigo.
Quando a noite chega e não me apetece escrever desato a fazer limpezas como uma penitência. Para me castigar pelos passos que dei e não devia ter dado, pela coragem que devia ter tido e não tive. E por esta maneira estúpida de ser.
Não sei quantas mais noites virão e tento adivinhar qual delas me permitirá dormir sossegada, sem comprimidos, sem refúgios, sem sobressaltos...

01/11/2008

postiço

Percebi finalmente que nesta idade as mulheres ou saem umas com as outras enquanto os respectivos também combinaram qualquer coisa entre eles ou então são como as minhas amigas: mal-amadas. Don't get me wrong, eu também fui e sou assim. Entendo perfeitamente que me digam que não podem ir comigo beber um copo porque é noite de romance e relax com o mais que tudo. Se pudesse eu faria o mesmo. Aliás, faço sempre que posso. Mas a verdade é que aquelas que estão disponíveis para farras de fim de semana, são as mal-amadas, as que não têm ninguém em casa à sua espera ou as que têm mas fogem à companhia.
As outras, as felizes, estão disponíveis para um copo ou uma imperial no final do dia de trabalho ou para horas ao telefone. As mal-amadas amparam-se umas às outras. Procuram fugas juntas, mascaram-se de mulheres bonitas e libertas.
Já me cobraram a falta de presença, expliquei que estava in love, quem não vai entender isto? E todas nós entendemos e sabemos que, mais tarde ou mais cedo, nos reuniremos na solidão comum.
As noites são postiças. São falsas. Cheias de brilho, de bâton, de saltos altos, de calças justas ou saias curtas, de transparências ou decotes cavados, num vale-tudo para esconder a solidão.
As felizes sabem que é assim, já passaram por isso, muitas passarão de novo, encontramo-nos sempre na mesma esquina do tempo.
As mulheres mal-amadas bebem e dançam. E riem. Divertem-se com os flirts dos fulanos que vêm mulheres sozinhas e também eles sabem que são mal-amadas, ou não estariam ali. Ou estariam, se fosse a tal excepção, mas o riso seria diferente. O riso das mulheres mal-amadas distingue-se quase pelo cheiro dos outros risos. Fica mais estridente. Mais volúvel. Mais rápido no desenho dos lábios. Mais escuro nos olhos pintados.
As mulheres mal-amadas são postiças como a noite.

o momento

No filme, o condenado à morte dizia que acreditava que se se arrependesse verdadeiramente, ser-lhe-ia permitido e possível passar a eternidade no momento em que foi mais feliz. E disse que esse momento foi quando casou, aos 18 anos, e passou com a mulher o verão nas montanhas. Que faziam amor todas as noites. Depois ela ficava com os seios iluminados pelas chamas da fogueira e por vezes falavam até o sol nascer.
Ele sabia. Sabia qual tinha sido o seu momento de felicidade.
Saberemos nós? Cada um de nós?

31/10/2008

foda-se

Como se não chegasse ter fodido o carro contra o passeio e remediá-lo com peças usadas para poder circular devagarinho, chega hoje a notícia seca que o meu marido vai ficar novamente desempregado ao fim de um mês de o ter iniciado.
Ninguém me recomenda uma bruxa?

yourcenar

"A amizade é , acima de tudo, certeza – é isso que a distingue do amor."

carnaval

Quando comecei a ter liberdade para sair à noite, que não foi assim muito cedo, sim, que eu tenho uns pais porreiraços mas um bocado jurássicos na mentalidade, decidi pôr as contas em dia. Ou seja, saía quase sempre, a noite toda, muitas vezes chegava só mesmo a tempo de ver os meus pais sairem para o trabalho.
Durante alguns anos, mal parava em casa. Depois a coisa sossegou mais e comecei a sair só mesmo quando me apetecia.
Depois veio outra fase ainda, a de ser ponto assente que nas noites de quinta, sexta e sábado eu não ficava em casa. Desse por onde desse. Ia sempre tendo namorado e já sabíamos que estaríamos sempre juntos, onde quer que fôssemos, salvo excepções.
Quando acontecia não ter nada combinado, entendia que não ficaria em casa, de qualquer modo, e saía, algumas vezes sem destino nem companhia certa, alguma coisa haveria de aparecer. Muitas vezes o que aparecia não era de todo recomendável, mas eu não ficaria sozinha. Ficar sozinha nas noites de fim de semana deprimia-me. Ainda me deprime. É uma espécie de atestado de solidão.
Continuam a não ser muito recomendáveis as minhas opções para colmatar essa solidão. Hoje, como antes, saio na mesma, ainda que a companhia não seja a que mais apetece, ainda que o programa não seja o melhor.
Mas saio. A solidão do fim de semana pesa pela vida. A casa asfixia-me. O silêncio sufoca-me. Nessas noites saio sem prazer, à espera do prazer que há-de vir depois, o dos copos bebidos a mais, o das conversas que não me apetecem, o dos sorrisos sem significado. Um prazer relativo, ou não fosse ele toldado pelo álcool e pelo peso de um plano B, que é o que estas saídas são, um escape, uma máscara, uma fuga para a frente.
Hoje é sexta feira. Dia de me mascarar de gaja da noite.

30/10/2008

halloween

Hoje pus bâton. E vesti o meu casaco branco de inverno. E pus ganchos no cabelo. E saí de casa a achar que estava minimamente gira. E a achar que talvez afugentasse o escuro do dia.
Depois cheguei ao escritório e pus os óculos com que trabalho, que a idade já não perdoa. Achava que ainda estava gira. Mas olhei-me de soslaio no reflexo da porta da recepção e afinal, eu não estava uma miuda gira; estava uma espécie de coisa parecida com a Sarah Palin.

um dia é da caça, outro do caçador

Sempre me apoiei nesta frase para me mentalizar que melhores dias virão, que não se pode ganhar nem perder sempre, que a bonança há-de chegar, e depois a tempestade, depois novamente a bonança, neste ciclo alucinado que nos faz estrias no cérebros e rugas na pele.
Um dia é da caça, outro do caçador. Pois. Mas normalmente o dia em que perdemos, não vinha nada a calhar. Mais, normalmente esses dias sucedem-se, nunca mais dão lugar a outros.
Como o que aconteceu à minha amiga. Depois de contas e mais contas a ver se podia não entregar a casa ao banco, depois de vender o carro melhorzinho e ficar com um chasso tão velho como o meu, depois de olhar para os cartões de crédito e engolir o desespero, quando se levanta num dia de chuva e ruma a mais um dia no escritório, perde o controlo do dito chasso e fode-o todo no lancil de um passeio.
Há ciclos filhos da puta.

pietro ubaldi

"Tendes, ó homens, a liberdade das vossas acções, nunca a das suas consequências."

29/10/2008

fénix

Que merda, a maldita influência que o clima exerce em nós. E a crise. E os outros. E o medo. E o cansaço. E a ausência. E a falta.
Não haverá comprimidos mágicos para a amnésia? Para nos esquecermos de tudo? Para renascermos?

as minhas varandas

Sonhava com uma casa que tivesse uma varanda, onde eu pudesse esfumaçar à noite, sentada numa cadeira, de perna estendida, enquanto contemplava as estrelas no firmamento.
Em vez de comprar uma casa com apenas uma varanda, optei por uma que trazia três.
Passados quase dois anos, utilizei mais a varanda da minha amiga do que as minhas.
Mais valia não ter comprado a casa e alugar a varanda alheia. E como sei que nada me cobrava, ganhava com o negócio.

sociedades

O mal das sociedades que se fazem para jogar no euro milhões, no totobola e afins, é que quando nos cansamos de gastar dinheiro e desistimos, corremos o risco de sair mais tarde algum dinheiro.
Desisti de uma e os membros que ficaram, ganharam cento e tal euros cada um.
Estou invejosa, arrependida e fodida. Nesta altura do campeonato que jeito que me davam cem míseros euros! Ao que eu cheguei, caraças!

crónica de nada

Abro a janela que diz "nova mensagem" sem fazer ideia do que vou escrever. Alguma coisa há-de vir. Assim como quando se deixam janelas abertas na vida. Entra o que é bom e o que é mau. Tenho azougue, sabem o que é? No meu alentejo é íman. E eu tenho-o para certas coisas que me entram pela janela sem pedir licença.
Por isso, para me distraír, para fingir que não as vejo, escrevo coisas que não interessam a ninguém, como quem pinta por cima de uma parede suja.
Ontem à noite sentei-me na mesa da cozinha a organizar talões de compras e extractos bancários atrasados desde Julho. E falei com o Hugo, o meu gato. Ele ía-me respondendo com miaus, ía subindo para o meu colo, ía brincando com a medalha do meu fio. Depois deixou de me responder. Parei o que fazia e fui procurá-lo. Tinha ido aninhar-se dentro da minha mala, sim, que eu uso malas enormes, malotes diz a minha amiga e parceira de projectos bloguísticos. Sorri-lhe. Ao gato. Achei piada ao ninho. Todos precisamos de um ninho, de um esconderijo ou de um porto de abrigo. Cada um deita mão ao que pode.
Como a mulher, sessentona, que hoje viajou a meu lado no autocarro. Ia a ouvir música no telemóvel, sem phones. Toni Carreira, ou coisa que o valha. E ía cantando baixinho "ó-ó-ó-ó o teu beijo..." Era o ninho dela, suponho. Não se importou que a olhassem de lado, que uns se mostrassem incomodados e que outros se rissem. Era o seu ninho. Todos precisamos, não é?
Eu escrevo e na escrita não incomodo ninguém, ao contrário de quando abro a boca e aborreço toda a gente com lamúrias, queixas, cobranças. Escrevo e enquanto escrevo estou mais leve, estou longe, tantas vezes posso até ser outra, e sendo outra não me importo com o que entra pela janela.
Queria que me saísse o totoloto. Para a minha mãe deixar de trabalhar. Para não temer pelo futuro da minha filha. Para pagar a minha casa. Para ir viajar este fim de semana, para longe, sem outro destino que não fosse a distância, a lonjura, o refúgio.

28/10/2008

o parvo no cais

Ao menos uma encruzilhada. Ou até mesmo como o outro que não sabia por onde iria, mas sabia por onde não iria.
Mas esta coisa de nem se ver caminho à frente, de não se fazer a menor ideia daquilo para que se acordará. De não se ter planos, projectos, expectativas. Esta coisa de pôr um pé à frente do outro, de saber que um dia igual se seguirá ao presente, de não se caminhar para lado nenhum específico.
Assim uma pessoa cansa-se. Às vezes até lhe apetece recusar-se a andar. Ninguém acena com uma cenoura, não há desenhos dobrados na carteira à espera de vez, não há datas marcadas nem por marcar.
Projectos são combustível. Andar para quê? Para onde? Por quanto tempo?
Era o parvo, não era?, que ficava no cais. Nem paraíso, nem purgatório, o limbo, a indefinição, a fronteira, o lugar sem nome.
Trabalhar, comer, dormir. Ao menos que não pensasse. Que ficasse a ver as barcas, ou melhor, a ver navios, no maldito cais onde se espera por nada.
Onde nos levam os nossos dias? Como aceitar que a vida é para se ir vivendo se o que se tem é mera existência? Como sanar a tristeza e a decepção se não se pára de pensar, se a imobilidade dos dias não contagia a do cérebro?
Uma pessoa quer coisas. Quer fazer coisas. Construir. Sentir. Viver. Planear. Esperar. Ter um objectivo. Um objecto.
Não é?

coisas da idade

O que nos acontece com a idade, quando ultrapassamos o limite dos 30 anos e os 40 se aproximam a passos largos?
Quanto a mim, muita coisa me aconteceu. Boas e más. Mas acho que passo um pouquinho despercebida quando olho para o lado e verifico o impensável há alguns anos atrás, quando estava na casa dos 20, tal como uma amiga minha, a minha amiga, melhor dizendo. E não consigo disfarçar o sorriso porque acho que foram benéficas na sua existência.
Um animal lá em casa? Tive um rato e despachei-o numa semana! - adoptou um gato de 2 meses que sobe pelos seus sofás e tenta a todo o custo subir também pelos cortinados para lhe dar um novo look.
Plantas? Não me lembro delas e como não as rego, acabam por morrer. - hoje tem a casa com imensas plantas. Não falo só dos cactos que não necessitam de água regularmente. Tem plantas que necessitam de cuidados e não é que sobrevivem e crescem com as folhinhas verdes? E até desvia algumas de sítios alheios.
PSD? São todos uns fascistas! - e não é que se apaixonou a sério por um homem de convicções à direita? E não é que ele se deixa arrastar para a festa do Avante? (O que o amor faz!)
Foste a uma tourada? Como é que foste capaz? - e um belo dia senta o rabo num banco de uma Praça de touros. OK, foi uma negociação com a sua cara-metade. Mas sentou-se!
Hum... Isto da idade provoca alterações profundas na gente, hem?
Portanto, vamos lá à velha máxima: nunca digas nunca.

27/10/2008

da resolução número 4

Uma das minhas resoluções dos 38 anos (lembram-se?) foi escrever num caderno todas as coisas boas que me acontecessem. Verdade seja dita, tenho escrito todos os dias, mas porque me forço a valorizar as pequenas coisas, que, afinal, é para isso que serve o exercício.
Hoje estava um bocado desalentada, não tinha nada, mesmo nada para escrever, mas depois a minha grande amiga, esta coirona que aqui se apresenta, tinha escrito umas coisas tão simpáticas. Tão saborosas. Tão felizes. Depois vocês logo vêem, se ela assim o entender. E eu pensei: mesmo que não tenha nada de objectivo para escrever no caderno, posso sempre escrever que nada de muito mau me aconteceu, se for o caso, e, mais importante, que mesmo que aconteça, esta amiga tenho a meu lado. Dê por onde der.

considerações de uma gaja não casada

(para confortar as gajas casadas há 10 anos)

1. Não tens quem te ajude a levar o lixo e as garrafas para a rua.
2. Tens que aprender a usar o berbequim e a chave inglesa.
3. Não tens colo para descansar no final do dia.
4. Vais ao cinema sozinha.

Opá, não posso evitar... aí vão as coisas boas:
5. Podes mudar a disposição da casa que ninguém te mói o juízo.
6. Não tens que almoçar com os sogros e com os cunhados.
7. Não tens que vincar calças nem passar camisas.
8. Podes receber chamadas de amigos a desoras sem ouvir reclamações.
9. Ninguém ressona a teu lado, se não quiseres.
10. Vais ao cinema sozinha.

considerações de uma gaja casada

O que acontece nos casamentos, a partir dos 10 anos de vida conjunta?
1 - a puta da tampa da sanita fica sempre levantada quando o macho resolve ir mijar
2 - dorme-se de costas viradas, para amenizar o som do ressonar do outro
3 - não se veste a lingerie dos primeiros anos
4 - o macho ganha barriga e passa a vida a desarrumar a maldita balança
5 - deixa-se de andar de mão dada
6 - de manhã, entra-se no carro em silêncio e saí-se dizendo apenas um até logo
7 - deixa-se de dar linguados
8 - deixa-se de tomar banho juntos
9 - cada um vê seu canal de televisão
10 - deixa-se de contar os anos de casamento

uma escola violenta?

Frequentei uma escola no ensino secundário, onde não mais voltei.
Lá percorri os corredores compridos com os livros e os sonhos debaixo do braço, passo firme, certa de que, quando a deixasse seria uma grande mulher, com convicções, com coragem, com as decisões bem tomadas, ponderando sempre os caminhos por onde seguiria, como o fizera até ali.
É claro que nessa altura eu era uma miúda de 16, 17 anos. E nessa idade tudo parece estar bem encaminhado. Aquela escola deixou-me saudades pois foram os melhores anos que passei enquanto estudava. Era uma escola calma, o pessoal encaminhava-se calmamente para as salas, fazíamos jantaradas com alguns professores, pois a relação era muito boa, ouvíamos os seus conselhos, respeitávamos aqueles que nos ensinavam.
No fim-de-semana, num telejornal de uma estação televisiva qualquer, ora lá ouvi o nome da minha velha escola secundária. E porquê? Porque é agora das escolas mais violentas da zona lisboeta, onde miúdos de 13 anos se envolvem em lutas durante os intervalos, sem que os contínuos se atrevam a intervir. Os pais por sua vez confessam a sua insegurança e exigem maior protecção policial.
E eu achei que aquela não era a escola onde eu me passeava pacatamente nos intervalos. É certo que foi há 20 anos, mas como podem as coisas terem mudado de tal forma? Que é feito do respeito, da camaradagem? Estarei realmente "cóta"? Será isto normal nas novas gerações?
Nã... Eu continuo a achar que todos estes comportamentos são uma alucinação minha.
Só pode.

eu sou o Bob

Quando estou chateada, para não ir mais longe na coisa, apetece-me fazer compras. Mas, como sou gaja arraçada de gajo, ou pelo menos assim mo têm repetido, as minhas compras, as que me acalentam, não são roupas e perfumes e acessórios. Não, um pouco mais além. Gosto mesmo é de comprar coisas para montar em casa, estantes, cadeiras, armários. Como se o trabalho de montagem em casa prolongasse o prazer da coisa.
Hoje é assim. Não importa se a conta do cartão cresce, já estou quase por tudo. Já fiz a pesquisa, já tenho as referências, hoje a magnífica ferramenta que a cara-metade ofereceu mais o resto da caixa de ferramentas entram em acção. Porque hoje podia ser um dia melhor e não é.

24/10/2008

água-benta

O meu amigo Zé passou hoje pelo escritório. Depois de estar a par das novidades (1. O pai de uma colega suicidou-se; 2. Uma outra teve sofreu uma paralisia facial e ficou ainda mais horrível do que era; 3. Um colega viciado em cocaína virou completamente a sua vida do avesso) disse que devíamos mandar vir um padre e benzer a casa.
Claro que nos rimos os dois. O que fazer mais? A crise continua dentro de casa, o défice também.
Pouco nos resta.

sublimada

Não importa dizer qual foi o filme, a questão não é essa. A questão é podermos chorar com as dores dos outros e no processo esquecermos as nossas. Rir também, claro. E depois lembrarmo-nos que é uma indústria poderosa precisamente porque lida com as nossas emoções. Uma fábrica de sonhos.
Vi o filme. Não importa qual foi. E no final, veio aquela sensação quase dolorosa que se anuncia nas mãos, aquele início de pranto que não entristece, a tristeza veio antes, mas que liberta.
Podia, e devia, diriam alguns, mudar muitas coisas em mim, mas esta não; esta possibilidade de libertar tensão através de uma dor sublime.

gap

A minha mãe, que sempre primou pelo politicamente correcto, pela tolerância, por pôr água na fervura e por outras muletas similares, perguntava-me, há dias, como me corre a vida amorosa. Respondi-lhe que corre bem, que há sempre coisas de que não gostamos, que há sempre contrariedades, mas enfim, que já se sabe que não há príncipes perfeitos nem nas histórias de encantar, a mim, pelo menos, enfadam-me de morte.
Para começar, deve ter estranhado que eu tenha respondido tanto. Depois disse-me: "Tens de ter paciência, filha. Uma pessoa para se dar bem com outra, tem que calar muitas coisas, tem que engolir muitos sapos."
Somos mulheres diferente, de gerações diferentes, com posturas diferentes, com perspectivas diferentes, com passados diferentes. Por isso não lhe disse: "Para se dar bem com outra... e para uma pessoa se dar bem consigo mesma, o que tem de fazer?"

escolhas

O arco da velha, com link aí ao lado, fez-me lembrar os Hooverphonic. Às vezes quando os escolho lá em casa e estão amigos presentes, reclamam. Que é cinzento. Que deprime. Que são barra pesada. Mas eu gosto.
Assim como no MP3 anda Maria Callas mais o Canção ao Lado dos Deolinda.
Tal como no carro anda um CD dos Bon Jovi para eu cantar em altos berros enquanto a fila não me deixa chegar ao meu destino.
Como para aspirar escolho Sheryl Crow e só depois, enquanto o chão seca, me sento a ouvir Pink Floyd.
E para me acompanhar no duche, salvo seja, Sérgio Godinho.
No barco, atravessando o Tejo, uma de cada, dos meus cds sempre, sempre desarrumados, a tocar aleatoriamente, sem eu saber qual o freguês que se segue.
É assim.

resoluções, parte 2

7. Brincar mais com o Hugo, o meu gato.

23/10/2008

parece-me que não há comentário possível


Pledge to go fur-free at PETA.org.

frustrações

Não há nada pior que receber cartas registadas das Finanças. Ainda por cima terem que ser levantadas nos Correios e termos que dormir uma noite na expectativa do que nos aguarda.
Para mim cartas das Finanças são como alfinetes a picarem-me, apesar de achar que está tudo em dia, fica sempre o factor surpresa. Então quando são ofícios, pior ainda.
E quando se recebe pela mesma altura uma carta do banco para nos deslocarmos lá, lembrando as prestações que vão custando cada vez mais a pagar?
Frustrante é no dia seguinte verificarmos que a carta das Finanças não é nada significativo e deslocarmo-nos ao banco, ficarmos uma hora à espera de boas novas e no fim dizerem-nos que não têm sistema e não conseguem para já dizer-nos nada. Ligamos depois.
Como se recupera da noite mal dormida? Quem nos paga as horas em que não trabalhámos?
Puta que pariu isto tudo!

22/10/2008

resoluções

Em qualquer dia podemos fazer resoluções de ano novo, creio. Até porque parte delas fica sempre por cumprir.
Eis as minhas:
1. Reduzir em 5 o número de cigarros fumados por dia.
2. Em casa, fumar apenas na varanda.
3. Fazer bicicleta pelo menos 2 vezes por semana.
4. Anotar num caderno, diariamente, as coisas boas que me acontecerem.
5. Comer fruta pelo menos uma vez por dia.
6. Levar a reciclagem para o ecoponto pelo menos uma vez por semana.
(À medida que me lembrar de mais, vou acrescentando à lista)

tesourinho

Assim escreve a minha filha de 11 anos:

"Um amigo verdadeiro
Anda de mão dada comigo
Dá-me um sorriso e um beijo
Assim é um verdadeiro amigo

Um amigo sincero e bonito
Com ele posso falar
Posso saltar e correr,
Sorrir, chorar e brincar

A amizade é assim:
juntos podemos sonhar
Podemos ser companheiros
E aprender a amar

Um amigo é para sempre
Damos-lhe muito amor
Damos-lhe alegria e sorrisos
E partilhamos a sua dor"


21/10/2008

éne

Às vezes é preciso pormos a armadura, os medos, as inseguranças, as máscaras de lado e usufruir. Apenas.
Dê por onde der, haja o que houver, aconteça o que acontecer, este é o momento que conta. Agora. E agora amo este homem que me ama a mim. Que muitas vezes me faz feliz. Que muitas vezes me faz acreditar. Que muitas vezes me faz querer.
Vale a pena.

ego

Há lá coisa melhor para o ego feminino do que regressar de um almoço agradável entre bons e velhos amigos e pelo caminho ouvirmos assobios, buzinadelas, piropos e acenos?
Então quando se tratam de buzinas de camiões, meus amigos... o som é tal que até o ego parece ir saltar pela boca fora!


dia 21

1. Há presentes e presentes. Este, na mão da minha amiga, nem o abri. Foi o gajo dela que mo mandou e eu sei que com o que está lá dentro quer fazer-me "rir". Mas já me faz rir mesmo sem o abrir. Por isso não o abro e guardo-o para um dia de chuva.

2. Depois há as palavras e os abraços dos que são mais importantes para mim e que na primeira hora da manhã me aqueceram os olhos e o coração.

3. Há também, claro, o mimo da cara-metade, todos os mimos, tantos-tantos.

Parábens

Há muito que não oiço o som estridente das tuas gargalhadas. Nem das minhas.
E hoje lanço um olhar para o passado, apesar de tentar não o fazer. Nele deixámos encerrados muitos sentimentos, muitos fantasmas, muitos começos e fins.
Olho para os dias de ontem, porque te vi crescer, como pessoa, como mulher, como mãe. Vi-te chorar e rir. Vi-te agarrar os dias com uma coragem que só as grandes guerreiras e as mulheres corajosas conseguem fazer, munida das armas que a vida te ensinou a utilizar: a vontade, a persistência, o alento. Houve dias em que te invejei.
Houve dias em que me apeteceu beijar-te e abraçar-te. Pegar-te ao colo, fazer-te festinhas na cabeça e adormecer-te para que tudo não passasse de um sonho mau. Não o fiz. Pensei que a vida seria generosa contigo, que a turbulência passasse como passa uma trovoada.
Hoje olho para ti. Completas mais um ano da tua existência. Mais bonita do que eras, já to disse.
Apesar de tudo o que te atormenta, te rouba o sono, te deixa o coração num desassossego, te deixa de lágrimas nos olhos, continuas a caminhar em direcção ao teu lugar ao sol. Porque eu sei que ele existe e tu vais encontrá-lo.
Hoje não é um dia qualquer como me disseste ontem. É o teu dia.
Há dias em que te vejo a tristeza no olhar. Mas quero lembrar-te que há dias felizes, dias em que o sol brilha, em que tudo parece recomeçar. Aproveita-os, mesmo que os dias seguintes sejam cinzentos e chuvosos.
Quero dizer-te que se te apetecer saltar-me para o colo, eu estou aqui.
Parabéns, minha guerreira!

20/10/2008

dores de alma

Dos medos que mais me atormentam, a morte é um deles.
Tenho medo de perder as pessoas que mais amo, tenho medo da forma como me possam deixar para sempre.
Já presenciei a dor de três mulheres cujos pais se suicidaram.
Não consigo imaginar a dor dessas mulheres e o que lhes passa pela alma.
E não quero falar mais disso...

o pai dela

Nós nunca imaginamos que os nossos pais se possam suicidar. Por isso imagino que não seja fácil aquilo que ela está a sentir.
Será que quando alguém próximo de nós se suicida há forma de não sentirmos a culpa de acharmos que se calhar podíamos ter feito mais?

19/10/2008

memórias

Achei num arquivo perdido do computador de casa uma coisa que escrevi num dia de aniversário. Era assim:
"Por natureza sou uma mulher de paixões. Apaixono-me por pessoas, por causas, por valores, por lugares, por músicas, por livros; não me basta gostar apenas, não consigo, não encontro um meio termo para os meus sentimentos, e então aquilo ou aqueles por quem me apaixono ocupam dentro de mim um espaço e uma energia que, muitas vezes, não sei controlar nem conciliar."
Agora estou quase quase a fazer anos outra vez. Porra, não aprendi nada.

17/10/2008

o barbeiro

Ontem surgiu a pergunta: Porque é que escreves no blog? É um escape, respondi. Mas é mais do que isso. É uma maneira de enganar as cores, de ocupar os dedos, de organizar ideias, de libertar lastro.
Havia uma história que li em miuda, da qual não me lembro do nome -nada que uma chamada telefónica não resolva- em que um fulano, acho que um barbeiro, sabia uma série de segredos que lhe iam contando. Às tantas, tão carregado estava de segredos alheios, que decidiu contá-los acho que para dentro de uma caixa e enterrou-a. Depois a história continua, mas a questão é esta necessidade de ir contando coisas, não todas, evidentemente, que afinal este é um espaço potencialmente público e o mundo é pequeno, mas algumas, mesmo que seja para uma caixa que a seguir enterro no quintal.
Assim, tanto porque me é difícil partilhar preocupações, emoções e afins, como porque me é difícil fixar-me num só sítio (para isso já me basta a realidade diária), tenho um sem fim de blogs, alguns só com meia dúzia de posts, outros com um bocadinho mais de assiduidade, outros de que me vou sucessivamente despedindo e substituindo por outros; como dantes fazia com os diários, nunca acabava um caderno, às tantas cansava-me do registo, ou até mesmo de mim, e começava tudo outra vez. Exactamente o mesmo que deveríamos fazer com as nossas vidas, se quiséssemos.
p.s.: A história a que me refiro chama-se O Príncipe com Orelhas de Burro, e afinal o barbeiro não guardava vários segredos, apenas um, e não o contou para dentro de uma caixa mas sim para um buraco no chão. Mas acho que se percebe a analogia.

todos os nomes

Os meus afectos, as minhas relações pessoais estão de tal modo compartimentados que até diferentes grupos de pessoas me tratam por diferentes vocativos.
Pode dizer-se que isto não abona muito a favor da minha saúde mental, mas ela já anda tão de maõs dadas com a economia, tanto a minha, caseira, como a global, que, enfim, é igual ao litro.
Estou convencida de que é a singularidade do meu nome, associada à quantidade imensa de letras mais a sua sonoridade séria e fria, que leva as pessoas a escolherem uma alternativa.
Assim, uns cortam-me o nome, optando por umas letrinhas apenas, outros encontram um nome alternativo, no caso um substantivo simpático, outros transformam-mo com um "inha", outros ainda, vá lá, tratam-me mesmo pelo meu nome.
Tudo isto me é agradável. Em cada campo. Ao ponto de estranhar quando alguém me chama de outro modo. Como quando se chama os filhos "Anda cá, Cátia Vanessa" e eles já sabem que quando os chamamos pelos dois nomes, a coisa vai mal.
Não gosto quando a coisa vai mal.

freud

Eu sei o que o Fred diria sobre o que sonhei, oh se sei. É que todos temos um bocadinho de médico. E de poeta. Ah, e de louco.
Daqueles sonhos estranhos, como se não o fossem todos, mas com uma estranheza diferente. Daqueles que enquanto sonhamos não nos perturbam, pelo contrário, sabem até muito bem, este soube mesmo-mesmo-mesmo bem, mas que de manhã nos deixam à nora. Tipo, por que raio sonhei eu aquela treta? De onde me vieram tão loucas ideias?
O que eu acho é que devia haver uma espécie de gravador de sonhos, aposto que os meus davam estrondosos sucessos de bilheteira, embora não sejam nada ao estilo de hollywood, antes uma espécie de cinema francês e italiano, vertente do-melhor-que-há.

16/10/2008

"rui santos pergunta..."

Se alguém nos diz que reunimos todos os requisitos para ser mãe do seu filho, isso quererá dizer que, como os cavalos, temos bons dentes e boa pelagem?

espanholês

Quadra recebida ao amanhecer, de amigo espanhol tentando escrever em português. Só porque às vezes sou uma queixinhas e reclamo da falta de luz nos dias.

"Una estrela se a perdido
No céu não apareze
En na tua casa se a metido
Nos teos ojos resplandeze"

15/10/2008

uma casinha pequenina

Giro, giro é ver como duas crianças se fazem amigas. Amigas de verdade. Como estas duas miudas, uma com 8 anos, outra com 15, amigas do peito, sangue e raízes similares, nos genes a amizade incondicional que une as suas mães.
O amor aprende-se. E elas aprendem-no como o aprenderam as mães, quando a mais velha andava de nariz no ar à espera que o avião chegasse de Paris com a bebé. Aprendem-no nos fins de semana que planeiam, nos convites que trocam, nas conversas improváveis que mantêm até de madrugada, deitadas no chão do quarto.
E as mães, babadas, ficam de lado revendo-se naquelas duas pequenas miudas, esperando que tenham mil vezes mais alegrias do que tiveram, que sejam mil vezes mais felizes do elas são.
E sorriem uma para a outra com a cumplicidade que é só delas.
A felicidade também se faz da felicidade dos que amamos.