02/12/2008

âncora

Por mais que queira mentalizar-se disso, uma pessoa não é de ferro. Não mesmo. Mesmo que tenha passado a vida a sobreviver a uns embates, a outras tempestades, a alguns atentados, não, uma pessoa não é de ferro.
Quando se chega a um ponto em que uma pessoa não tem onde se apoiar para não cair, quando se é fustigado de todos os lados sem que nada se apresente como sólido para uma pessoa ancorar por uns dias, não há como não se perder na noite escura.
Às vezes podem ser os amigos, às vezes pode ser o trabalho, às vezes podem ser os filhos, às vezes pode ser a família, às vezes pode ser quem se ama. Mas quando os amigos não podem estar presentes ou quando não os queremos carregar com mais peso; quando o trabalho é uma merda que nem sequer é remunerado; quando os filhos vão para fora, ainda que alegres e contentes; quando a família está reunida num sítio onde nem pudémos ir; quando a tal pessoa também foi ver do seu próprio bem-estar, que nos resta?
Às vezes o desalento é tanto que nem temos vontade para segundas escolhas, como daquelas vezes em que, para fugir à solidão, nos agarramos a quem nos quer, mais do que a quem nós queremos.
Depois essas pessoas sem âncora ficam assim tolhidas, presas no frio que vem de dentro e que os cobertores não afugentam, sem terra firme onde lançar ferro, numa solidão e num silêncio que são tanto mais pesados quanto não são desejados.
E a infelicidade é uma coisa fodida de se ultrapassar.

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